Na primeira quinzena do mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve suspensa a lei estadual de São Paulo que proibia ou regulamentava o serviço de mototáxi. Com a medida, a prefeitura da capital tem até o dia 10 de dezembro para regularizar a atividade. Independentemente da decisão, as principais plataformas que oferecem serviços de transporte de pessoas em motocicletas, Uber e 99, já se manifestaram com o retorno às atividades no dia 11.
A notícia repercutiu e gerou divergência de opiniões. O próprio prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), apontou que a medida aumentará o número de mortos por acidentes de motocicletas.
Em entrevista ao AutoPapo, o especialista em trânsito, professor de engenharia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Bruno Baptista, também se opôs à decisão do STF, mas explicou que não é a proibição que resolve o problema.
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Problemas da ampliação dos mototaxistas
Na hora que o mototaxista parar para pegar uma pessoa e ela estiver carregando uma mochila pesada, um objeto, ou ela tem um porte físico mais avantajado (uma pessoa que faz academia, por exemplo). Nessa situação o piloto tem um desequilíbrio na moto, pois a moto que ele é acostumado a andar sozinho, com o garupa fica muito diferente dinamicamente.”
Baptista afirma que quanto maior o peso sobre a motocicleta, maior a influência na direção do piloto. Em um carro essa diferença pode não ser perceptível, pois, para isso, centenas de quilos são necessários. Em uma moto, algumas dezenas já são suficientes para afetar a condução.
Fisicamente, o garupa sempre projeta peso na parte de trás da moto, o que faz com que a frente fique mais leve e assim a forma de conduzir mude muito.
Pode ser uma pessoa até mais leve, 50 kg, 52 kg, levinha. Quando você faz curva em uma moto o garupa tem que acompanhar as curvas […] A maioria das pessoas não sabe andar no banco de uma moto. Na hora que ela está na garupa de uma moto, ela acha que está no banco de um carro.”
Para o professor, este é o maior problema. A liberação do mototáxi ampliará o número de novos usuários de moto e a falta de aptidão com o veículo pode influenciar diretamente na causa de um acidente. Um garupa que pendula para o lado contrário do mototaxista em uma curva pode dificultar ou até impedir que a manobra seja efetivada, levando os dois a outro traçado na pista e a possíveis quedas ou colisões.
Em 2024 foram 483 mortes de motociclistas na cidade, mesmo sem o serviço de mototáxi. A tendência é que esse número aumente”, afirmou o prefeito Ricardo Nunes quando se opôs à decisão do Supremo.
Bruno ainda alerta que o uso do celular, assim como acontece em todo o cenário de transportes nacional, é um agravante.
Eu já vi absurdos em mototáxis aqui em Belo Horizonte. Pessoas no garupa com o corpo arqueado para trás, ou seja, em uma distribuição de peso ainda pior. Para quê? para ficar mexendo no celular.”
Além do risco de gerar uma multa ao mototaxista, o garupa que mexe no celular durante a viagem compromete sua integridade física e a do piloto, se sujeitando a quedas e desequilíbrios.
O garupa machuca muito mais do que o piloto. Às vezes, numa curva, o garupa cai primeiro e a pessoa que vai pegar o mototáxi usa o capacete, mas é só o capacete. Ela não está de jaqueta, calça, bota, luva. Às vezes a pessoa vai pegar o mototáxi, está de bermuda, camiseta e chinelo […] Existe uma série de preocupação para se andar de moto que o mototáxi não tem como executar.
A proibição do mototáxi não resolve estes problemas
Como Baptista ressalta, existe uma série de fatores que levam os condutores ao risco do mototáxi. O professor aponta ainda que o fator econômico é a grande motivação para o ampliação desse modal de transporte.
Em uma antiga entrevista, a economista, mestra em Administração e professora do Centro Universitário Una, Vaníria Ferrari, alertou nossa redação sobre os fatores econômicos que a pandemia gerou no país. O desemprego disparou e os trabalhos informais por aplicativo foram a saída para a maioria dos trabalhadores. Os novos caminhos da economia permanecem nos serviços de transporte e entrega.
Bruno alega que o melhor caminho para a diminuição dos riscos no trânsito, não só para motociclistas e mototaxistas, mas para todos os veículos, seria o investimento no transporte público.
Eu acho também que, se o transporte público fosse de melhor qualidade, você transportaria muito mais gente. O problema é que existem vários lobbies em ação, o das montadoras de motos e carros pra vender mais e o das empresas de ônibus que dizem que para melhorar o transporte, precisam arrecadar mais.
Em matéria publicada pela Agência Brasil, o Secretário Nacional de Trânsito, Adrualdo de Lima Catão, afirmou que, com a melhora da renda,“a população tem buscado opções de transporte que compensem as deficiências no transporte público.”
No mesmo texto dados do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mostram a queda da participação dos transportes públicos no total de viagens motorizadas nas regiões metropolitanas brasileiras. A redução média é de 20%, mas em algumas localidades chega a 60%.
Para o secretário, assim como para o professor, o caminho não é penalizar o trabalhador, mas “garantir a segurança para ele num transporte público de qualidade” – disse Catão durante a mesma entrevista.
Capacitação dos mototaxistas
Baptista ainda ressalta que o novo modal de transporte, agora nos aplicativos de celular, também abre margem para mais mototaxistas inexperientes.
Capacitação dos motoboys, com carteira especial para conduzir profissionalmente passageiros, treinamento de primeiros socorros, educação no trânsito.”
Mesmo que por lei os mototaxistas credenciados tenham uma série de exigências como: ter mais de 21 anos; possuir CNH categoria “A” há pelo menos dois anos; ser aprovado em curso especializado; e usar colete de segurança com faixas refletivas. A medida não é exigida para os trabalhadores de transporte que utilizam aplicativos.
Isso, aliás, até para os entregadores, eu acho que deveria existir também.”
- Nos últimos dez anos, motociclistas passaram de 32% para 47% das mortes no trânsito, segundo levantamento feito pelo DeltaFolha com base em números de acidentes fatais do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) de janeiro de 2015 a junho deste ano.
