Geovani Martins publicou seu primeiro livro, O Sol na Cabeça, em 2018, e ainda naquele ano foi reconhecido como o “novo fenômeno literário brasileiro”. Vendeu milhares de exemplares e foi traduzido para diversos países. Sete anos depois, a febre deu lugar ao cânone: Geovani e seu Sol na Cabeça entraram para a lista dos 25 melhores livros brasileiros de literatura do século 21. No meio acadêmico, o reconhecimento veio com a inclusão do livro em grandes vestibulares – este ano, ele é leitura obrigatória na UFPR, a Universidade Federal do Paraná.
Telma Maciel da Silva, professora de literatura da UEL (Universidade Estadual de Londrina), afirma em entrevista à UFPR TV que Geovani faz parte de um movimento literário crescente amparado nas experiências dos próprios autores, com narrativas ficcionais que se misturam a aspectos biográficos. No caso de “O Sol na Cabeça”, o escritor mergulha seus leitores no universo em que ele próprio cresceu: as favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Ao longo de 13 contos, ele narra a história de crianças e jovens que vivem nos morros cariocas, experimentando o choque da desigualdade social, o racismo, a violência policial e o crime, seja enquanto transitam pelas vielas ou quando descem para o asfalto. “O Sol na Cabeça” também aborda temas universais da experiência humana: fala de fé e sincretismo religioso em “O Mistério da Vila”, sobre a origem da vida e o medo da morte em “O caso da borboleta”, sobre vícios, traumas e sonhos.
Vai prestar o vestibular da UFPR e quer saber mais sobre a obra? Confira abaixo os principais aspectos formais e temas do livro.
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A estrutura, a linguagem e os narradores em “O Sol na Cabeça”
O livro é composto pelos contos:
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Rolézim
Espiral
Roleta-russa
O caso da borboleta
A história do Periquito e do Macaco
Primeiro dia
O rabisco
A viagem
Estação Padre Miguel
O cego
O mistério da Vila
Sextou
Travessia
Todas as histórias se passam nas favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro, nos tempos atuais. Logo no conto que abre o livro, “Rolézim”, o leitor é subitamente transportado para esse universo, principalmente por conta da linguagem. Recorrendo a um coloquialismo repleto de gírias próprias do grupo social e faixa etária que será apresentado nas páginas seguintes, Geovani opta por um narrador-personagem nesta primeira história, que, em um dia de sol quente, reúne os amigos para descer o morro e ir até a praia.
“Tinha dois conto em cima da mesa, que minha coroa deixou pro pão. Arrumasse mais um e oitenta, já garantia pelo menos uma passagem, só precisava meter o calote na ida, que é mais tranquilo. Foda é que já tinha revirado a casa toda antes de dormir, catando moeda pra comprar um varejo. Bagulho era investir os dois conto no pão, divulgar um café e partir pra praia de barriga forrada.”
Mas, quando se trata do registro linguístico e dos narradores, não dá tempo de se acostumar. Entre um conto e outro, o autor varia entre uma linguagem mais ou menos coloquial, ora optando por narradores personagem, ora por narradores oniscientes. Isso sem mencionar o uso do discurso indireto livre – quando não há travessão para indicar as falas ou pensamentos dos personagens, e elas aparecem misturadas com a narração.
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“A linguagem é trabalhada, estilizada, de uma maneira que captura o leitor. Ele trabalha essa linguagem sem estigmatizar e sem mitificar”, avalia Telma Maciel, da UEL. Para as provas, é importante que o estudante fique atento a estas mudanças de registro, sem perder de vista que, embora a linguagem passe uma impressão de naturalidade, é uma escolha e marca o trabalho literário do autor.
Os temas do livro
Um dos grandes méritos de “O Sol na Cabeça” é conseguir transitar entre temas muito diferentes, mostrando sempre a complexidade por trás de situações consideradas triviais. O autor evidencia que a violência policial contra jovens negros vai muito além dos casos de assassinato ou prisões retratadas nos jornais: elas se revelam também em flagrantes forjados e até roubos, como acontece em “Rolézim” e “Sextou”.
Já o racismo aparece em situações inúmeras, seja nos bairros das elites ou nas favelas. Em “Espiral”, segundo conto do livro, o personagem principal sofre as consequências psicológicas de ser “temido” pelos brancos desde criança, que se esquivam nas esquinas e pontos de ônibus.
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A relação da juventude com as drogas também perpassa vários contos, sempre tendo como pano de fundo a ineficácia do Estado e das políticas públicas. Neste sentido, é importante que os estudantes tenham em mente que em 2018, ano de publicação do livro, o Rio de Janeiro estava sob Intervenção Federal, decretada sob o pretexto de combate à alta criminalidade na cidade. Na ocasião, as comunidades locais sofreram com ações policiais brutais.
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Por fim, a formação cultural, social e religiosa das favelas cariocas também é tema do livro. “O mistério da vila”, por exemplo, mostra três crianças descobrindo a própria religiosidade a partir do contato com uma mãe de santo, que há anos vivia na comunidade, mas enfrentava uma rejeição crescente com a chegada de igrejas evangélicas.
Quem é Geovani Martins
Geovani Martins nasceu em 1991 em Bangu, periferia da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Com 11 anos, mudou-se para o Morro do Vidigal, na Zona Sul da cidade, onde encarou de perto a desigualdade social pela proximidade com os bairros mais ricos. Apaixonado por literatura desde a infância, não cogitava a carreira de escritor em um primeiro momento – segundo ele, faltavam referências de pessoas normais, como ele, que tivessem trilhado este caminho.
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Tudo mudou quando passou a frequentar a Flup, Festa Literária das Periferias. Depois disso, seus textos foram publicados na revista Setor X, e recebeu o convite para fazer parte da programação paralela da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). A partir daí, seu trabalho ganhou visibilidade e chegou à Companhia das Letras, uma das maiores editoras do país.
Além de “O Sol na Cabeça”, Geovani também é autor do romance Via Ápia (2022).
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